Minha querida língua portuguesa


Doutorada em Linguística. Investigadora no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Deputada do PCP no Parlamento Europeu (2019-2024). Membro da Assembleia de Freguesia de Alvoco da Serra.
Todos os anos, com a chegada do Verão, chegam também milhares de portugueses que, mesmo que seja por umas curtas semanas, regressam ao seu país natal, visitam familiares e (re)descobrem lugares, gastronomias e culturas, reafirmando a sua identidade. É por esta altura que os espaços públicos se enchem de outras línguas e sotaques mas onde o Português é a língua mais predominante.
Quando se assinalam os 500 anos do nascimento de Luís de Camões, é sobre a Língua Portuguesa que me proponho escrever.
Essa língua falada pelos que habitam nos espaços lusófonos espalhados pelos diferentes continentes mas que é também a língua de muitos que, vivendo em países diferentes, não deixam de sentir e pensar em Português. Nesse sentido, a língua é um lugar privilegiado de identidade, de posse, de pertença, que importa cuidar.
A partir de Portugal e das suas instituições, é necessária uma verdadeira política de língua que aposte na promoção, expansão e qualificação da língua e da cultura portuguesas, dando particular atenção ao Ensino do Português no Estrangeiro (EPE). Obviamente que isso não se faz sem a valorização da carreira docente e das condições do exercício das suas funções.
É fundamental que todos tenham acesso ao ensino da Língua Portuguesa e chamo a atenção, em particular, para a importância de os filhos da comunidade portuguesa terem esta capacidade de pensar, de produzir ou de criar em Português. No início de um novo ano letivo, que para os filhos de muitos emigrantes já começou, o acesso à língua em contexto escolar é, pois, essencial desde a mais tenra idade. Se não houver essa resposta e se se der o afastamento da língua em idade infantil, este dificilmente será contrariado ou recuperado. E se a rede escolar continuar a ser reduzida, o afastamento da língua será cada vez mais inevitável. Há, pois, que rejeitar essa opção e continuar a defender que o Estado tem aqui um papel fundamental, consagrado na Constituição da República Portuguesa. Concretamente, o Artº. 9º, alínea f, que defende que o Estado deve: “Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa”, ou no Artº. 74º: “Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa”.
Obviamente que políticas que foquem a internacionalização da Língua Portuguesa são bem-vindas e desejáveis. Mas é com preocupação que encaramos a possibilidade de a internacionalização do Português ser focada apenas no ensino como língua estrangeira que tem, necessariamente, outras abordagens e metodologias, desvalorizando o EPE.
Rejeitamos, pois, que essa internacionalização seja feita à custa da redução do EPE para as comunidades portuguesas na diáspora, onde elas existam. E defendemos, sim, o EPE como língua materna!
Na Assembleia da República, forças políticas como o PCP e a CDU têm proposto a eliminação da propina do ensino da Língua e Cultura Portuguesas no estrangeiro (introduzida na altura da troika e que continua a existir) bem como a distribuição gratuita de manuais escolares para os que frequentam o EPE. Infelizmente estas propostas têm sido chumbadas por aqueles que, aparentemente, dizem ter preocupações a este respeito mas que, na prática, impossibilitam que esses direitos sejam alargados a todos.
Defendemos igualmente o alargamento da rede e o reforço do número de professores. E como é que isso se faz? Garantindo que a rede aumenta e que os professores de EPE têm as mesmas condições de trabalho que teriam em Portugal: formação contínua, salários adequados à disparidade das moedas e aos níveis de vida dos países de acolhimento, progressão na carreira, número de alunos por turma reduzidos até considerando os potenciais diferentes perfis linguísticos na sala de aula.
É igualmente importante que em instituições internacionais, como o Parlamento Europeu (PE) ou as Nações Unidas, o Português possa ser usado como língua de trabalho, com um tratamento igual ao das demais línguas. No PE, o multilinguismo tem de ser uma realidade e a possibilidade de intervir em Português não podeser descurada ou descartada porque é fundamental para interagir com os eleitores, ao mesmo tempo que defendemos o seu uso como língua de trabalho.
Uma última nota sobre as comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões: que elas sirvam também para valorizar a Língua Portuguesa, que o nosso poeta tão bem soube dignificar! Camões não é apenas um dos nomes maiores da nossa Língua e da nossa Literatura; é um dos grandes da literatura universal e é um símbolo de humanismo progressista. É um poeta do povo, cujos feitos exaltou no seu poema épico, Os Lusíadas, e de quem o povo se apropriou em expressões como: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, “vi, claramente visto” ou “onde a terra se acaba e o mar começa”. É um poeta a que temos sempre de voltar, tais são as dimensões da sua obra. E, mais uma vez, o Estado tem responsabilidades no ensino, na divulgação e na comemoração digna de um escritor do tamanho de Camões!