Os direitos das mulheres são para cumprir!


Doutorada em Linguística. Investigadora no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Deputada do PCP no Parlamento Europeu (2019-2024). Membro da Assembleia de Freguesia de Alvoco da Serra.
Assinalou-se, no passado dia 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher. Em 1910, por proposta de Clara Zetkin, ativista alemã na defesa dos direitos das mulheres, este dia foi proclamado para ser assinalado todos os anos e em todos os países com o objetivo de dar força à organização e luta das mulheres trabalhadoras. Por direitos políticos, económicos e sociais. Em Portugal, ele começou a ser timidamente assinalado nos anos 50 do século passado, altura que se caracterizava por uma total ausência dos direitos das mulheres.
O Dia Internacional da Mulher é um Dia para celebrar a vida que é de luta todos os dias para as mulheres. É um dia de luta e de homenagem a todas as mulheres que não desistem de lutar por um país mais justo e uma vida melhor para elas e para todos.
Em Portugal, foi o 25 de Abril de 1974 que representou, também, para as mulheres uma autêntica revolução. Abriram-se as portas para a conquista de um lugar digno na sociedade, em igualdade de direitos com o homem, e não numa mera posição subalterna. As medidas revolucionárias na área do trabalho, da segurança social, do direito da família, a criação de equipamentos sociais (creches, jardins de infância, lavadouros públicos,…) e de infraestruturas básicas (rede de água, esgotos, eletricidade), o alargamento e o reforço dos serviços públicos, tiveram repercussões imediatas nas suas vidas.
Em 1976, a nossa lei fundamental, a Constituição da República Portuguesa, passa a garantir a igualdade: – todos são iguais perante a lei (artº 13); Os cônjuges têm iguais direitos e deveres no casamento e os filhos nascidos fora do casamento não podem ser objecto de discriminação (artº 36); os direitos e deveres sociais, tais como segurança social (artº 63), saúde (artº 64), habitação (artº 65) devem ser salvaguardados; – o Estado tem a responsabilidade de desenvolver uma rede nacional de assistência materno-infantil e de divulgar os métodos de planeamento familiar (artº 67b e d); reconhecimento da maternidade como valor social eminente, e o direito a uma licença de parto sem perda de retribuição e quaisquer regalias (artº 68); garantia do direito ao trabalho para todos, incumbindo ao Estado assegurar a igualdade de oportunidades na escolha de profissão e na progressão da carreira (artº 51 e 52) e o princípio do salário igual para trabalho igual (artº 53a).
Passados que são 50 anos sobre a Revolução de Abril, são inegáveis os avanços na vida das mulheres. Se não fosse a Revolução, eu não estaria certamente a escrever estas linhas… Mas os direitos formalmente consagrados na lei são cumpridos? O que nos diz a vida das mulheres?
Em matéria de direitos no trabalho, a igualdade continua por cumprir: seja no acesso ao trabalho, nos salários e nas pensões, na progressão na carreira, no cumprimento dos direitos de maternidade, no respeito pelo horário de trabalho e pela conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional.
O direito à saúde, e concretamente à saúde sexual e reprodutiva, está cada vez mais ameaçado. Para muitas raparigas e mulheres, é difícil conseguir, no Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma consulta de ginecologia ou de planeamento familiar ou ter médico de família, já para não falar dos inúmeros obstáculos que se levantam nos hospitais públicos para a interrupção voluntária da gravidez.
O direito à habitação está (cada vez mais) longe de ser uma realidade. Com o aumento das rendas e das prestações bancárias, as dificuldades em ter uma habitação digna são enormes, tal como os lucros da banca!
As diferentes formas de violência continuam a abater-se sobre a vida das mulheres e raparigas, assumindo expressões preocupantes, e a luta contra as mesmas, bem como a sua prevenção, tem de ser um compromisso diário.
Falta vontade política que ponha a igualdade no centro das políticas e não apenas na propaganda! O aumento dos salários e das pensões, a regulação dos horários, o combate à precariedade e a defesa intransigente do trabalho com direitos; o reforço dos serviços públicos, desde logo o SNS, para responder aos cuidados de saúde, e a escola pública, para, através da educação sexual e de cidadania, combater estereótipos e discriminações, mas também o reforço de todos os serviços onde a escassez de meios abunda e se reflete na prevenção e no auxílio de mulheres vítimas de violência.
O dia 8 de Março é também e sobretudo um dia de luta! Pelos direitos das mulheres, que têm de ser cumpridos! Pelo avanço na melhoria das condições de vida das mulheres e contra qualquer forma de retrocesso. Infelizmente, esses recuos são realidade em alguns países da UE, como é o caso da Polónia e da Hungria, onde os direitos sexuais e reprodutivos são atacados. Já este mês, na Irlanda, realizou-se um referendo para avançar no papel da mulher. Foi reprovado e mantém-se o texto de 1937, que continuará a declarar que o casamento é um requisito para qualquer família e que o valor da mulher para a sociedade vem de cumprir os “deveres na casa”.
As concepções retrógadas do papel da mulher na sociedade estão sempre à espreita e assumem expressões mais concretas com governos e políticas de direita ! Não nos conformemos e lutemos, exercendo os direitos consagrados e avançando na melhoria das condições de vida. Para que Abril se cumpra!