Acabar com a pobreza


Doutorada em Linguística. Investigadora no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Deputada do PCP no Parlamento Europeu (2019-2024). Membro da Assembleia de Freguesia de Alvoco da Serra.
Inicio a minha colaboração no Seia Digital para abordar um flagelo que há muito devia ter sido erradicado: a pobreza.
Assinalou-se no passado dia 17 de outubro o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Na sessão plenária do Parlamento Europeu, o tema foi abordado em mais um debate propagandístico que aponta para metas que não se cumprem e para medidas assistencialistas que não vão à raiz do problema. Foi assim na Estratégia de Lisboa e foi assim na Estratégia 2020. O atual objetivo de retirar 15 milhões de pessoas (entre as quais, cinco milhões de crianças) da situação de pobreza na União Europeia (UE) até 2030, incluído no Plano de Ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, pomposamente anunciado na chamada Cimeira Social do Porto, em maio de 2021, também não parece no caminho de ser alcançado. Não por ser ousado ou ambicioso, como sinalizámos na altura, já que, mesmo que fosse atingido, o número de pobres na UE continuaria acima dos 75 milhões. Então porquê? Porque nenhum governo (e nem a UE, já agora) olha para o combate à pobreza com a dignidade, seriedade e prioridade que o assunto merece e, como tal, não se coloca a erradicação da pobreza como um desígnio nacional, concretizável através da articulação de diversas políticas públicas, de forma integrada e multidimensional.
Em 2021, o número de portugueses em risco de pobreza era 1,7 milhões. A situação é grave se considerarmos que 10,3% dos trabalhadores estava em risco de pobreza, ou seja, os rendimentos do trabalho, os baixos salários que os trabalhadores auferem, não são suficientes para sair da situação de pobreza. A taxa de pobreza nas famílias com crianças, sobretudo nas famílias monoparentais situava-se nos 28% e nas famílias numerosas em 22,7%. Havia 43,4% de desempregados em risco de pobreza, mostrando que alguma coisa está a correr (muito) mal ou nas condições de acesso, ou na atribuição ou nos montantes do subsídio de desemprego. Os idosos são outra fatia da população onde o risco de pobreza é bastante elevado, devido às baixas pensões e reformas, 17% em 2021, com maior incidência nas mulheres.
Recordo que os números são de 2021. Com o brutal aumento dos preços dos bens e serviços essenciais, alguns a atingirem valores insuportáveis – a alimentação, a energia, a habitação –, com a persistência dos baixos salários e das baixas pensões e reformas e sem medidas significativas que mitiguem o impacto de tudo isto nos rendimentos das famílias, teme-se que a situação atualmente tenha piorado. Mas só piorou para alguns! Se atentarmos nos lucros dos grandes grupos económicos, da banca às empresas energéticas, passando pela grande distribuição, concluímos que são intocáveis (algumas até são beneficiadas, como parece ser o caso da medida do IVA zero que não teve o impacto esperado na redução dos preços para os clientes mas, teve, sim no aumento das margens de lucro dos grandes hipermercados).
Enquanto isso, os serviços públicos continuam num caminho de degradação com efeitos igualmente gravosos na vida das populações, seja na saúde, na educação, nos transportes. Continua a faltar uma rede pública de equipamentos para a terceira idade, de creches e de cuidados que possam dar uma resposta de qualidade, de proximidade e tendencialmente gratuita, evitando que as famílias sejam empurradas para soluções precárias.
A pobreza não é uma fatalidade! São necessárias medidas para reduzir fortemente a pobreza, combatendo o empobrecimento e as desigualdades sociais e melhorando as condições de vida da população. Sabemos que é possível!
Defendemos uma efetiva Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, capaz de implementar um verdadeiro combate à pobreza e exclusão social, com medidas estruturais focadas nas causas da pobreza e da exclusão social, assentes numa justa repartição primária dos rendimentos, com aumento do peso dos rendimentos do trabalho (salários, pensões e outras prestações do sistema previdencial), o aumento significativo das prestações sociais, como o abono de família, o complemento para idosos e o rendimento social de inserção.
No atual momento, o aumento geral dos salários e das pensões, a criação de preços de referência para os bens essenciais e o reforço do investimento nos serviços públicos, como o PCP tem defendido e proposto, são medidas urgentes e necessárias para evitar que mais pessoas sejam empurradas para a pobreza e a exclusão social. Não precisamos de mais pobres: precisamos de acabar com a pobreza para que não haja mais pobres!