REI MORTO, REI POSTO
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Longe vai o dia 2 de setembro de 1894, data em que o primeiro jornal foi publicado no concelho de Seia. Publicava-se em S. Romão, chamava-se Correio de Ceia e assumia no seu cabeçalho a sua condição de «Semanário Político, Litterário e Noticioso». Manifestava também, no seu editorial, «o sincero desejo de bem servir o partido em que temos a honra de militar, e os interesses d’este concelho…». O corpo diretivo do Correio de Ceia militava no Partido Progressista, e, como era hábito na época, o jornal era o porta-voz da militância ideológica mais progressista, em clara oposição aos adeptos do Partido Regenerador. Este partido era mais conservador, e os seus líderes partilhavam com os progressistas a governação do reino no sistema de Rotativismo, desde meados do séc. XIX, agora no período conturbado após o Ultimato inglês, de 1890.

Muitos jornais, ao longo de quase um século, foram aparecendo e desaparecendo em Seia, até que no dia 1 de dezembro de 1977 surgiu a vez de ser editado o Porta da Estrela. O título, bem sugestivo, evidenciava a importância de Seia como principal porta de acesso à Serra da Estrela e, como era evidente no seu editorial, já não era, como o Correio de Ceia, um semanário político, pois apresentava-se «como jornal independente, regionalista e apartidário» acrescentando que «não perguntamos a ideologia partidária dos nossos colaboradores ou correspondentes, porque somos por uma democracia pluralista onde cada um manifeste com liberdade o que pensa e sente».

Apreciador que sempre fui da imprensa local, acabei por ser assinante do Porta da Estrela, situação de que nunca me arrependi, visto considerar que o jornal mantinha a promessa de independência e isenção que eu exigia de um periódico informativo e entender que ele seguia também o prometido no seu primeiro editorial. Mais tarde, acabei por ser um colaborador não periódico do jornal, que publicava algumas das minhas crónicas de viagens à mistura com memórias de juventude e notícias da minha aldeia natal, Vila Verde, deste mesmo concelho.

Nos últimos tempos da sua vida de 42 anos, o jornal viveu uma situação financeira delicada, o que viria a provocar a sua suspensão. Em 31 de julho de 2020, anunciava, na sua última página «O Porta da Estrela vai de férias», acrescentando que regressaria em setembro seguinte. Mas, como muitos cidadãos foram obrigados ao confinamento devido à Covid 19, também o jornal se confinou, definitivamente.  O prometido regresso em 15 de setembro desse mesmo ano não aconteceu, o que provocou rumores de que havia terminado a sua publicação, o que se veio a confirmar. O desaparecimento do Porta da Estrela deixava na sede do concelho um vazio jornalístico que os senenses não conheciam há muito tempo, desde que o Voz da Serra, deixara de ter publicação regular.

O Porta da Estrela teve nos últimos tempos de atividade apenas um funcionário, que acumulava a função de jornalista, diretor, redator e restantes atividades inerentes à sua gestão. Tratava-se do conhecido jornalista José Manuel Brito, que nos últimos dias do jornal lutou desesperadamente para tentar, em vão, salvar o jornal. A responsabilidade do encerramento do Porta da Estrela coube aos seus maiores acionistas, ficando no ar a sensação de que nem tudo foi feito para evitar o seu fim, situação que deixou sem ocupação esse seu único trabalhador.

Entretanto, ainda se pensou que o jornal poderia renascer e ter continuidade, mas essa hipótese não se concretizou, ficando um vazio na imprensa local de Seia. Destarte, o único jornal, em formato de papel, a continuar a ser editado no concelho é o Jornal de Santa Marinha, com periodicidade mensal, ao qual desejamos longa vida e boas notícias.

Esgotadas todas as possibilidades de salvar o jornal, surgiu a ideia de criar, como passou a ser a solução para muitos outros periódicos regionais em Portugal, um jornal digital. O processo correu bem e Seia passou a ter também o seu jornal, o Seia Digital, que há pouco iniciou a sua publicação, para ser lido através dos meios de comunicação por excelência, as plataformas digitais e as redes sociais. Esta crónica é a minha modesta contribuição para a ajuda da divulgação do novo jornal. Para que ele se possa afirmar precisa efetivamente do apoio de todos os senenses, a quem deixo aqui um apelo nesse sentido.

A todos os novos colaboradores do Seia Digital deixo aqui o desejo de que produzam notícias isentas e comentários que respeitem os valores democráticos e ao seu diretor, José Manuel Brito, o sucesso merecido e que siga a linha editorial de sempre, na defesa da liberdade de expressão.

A morte do Porta da Estrela encerra um ciclo que se renova, sem dramas nem constrangimentos, com o Seia Digital. O rei morreu, viva o rei!

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